Brenda Gusmão
A disputa por uma quadra de tênis entre o Minhocão da Gávea e o Condomínio Jardim Pernambuco, Leblon, foi o fio condutor de uma história que expõe desigualdades sociais e relações de poder no Rio de Janeiro. A reportagem “Jogos de Poder na Gávea”, assinada por Carolina Bottino, estudante do 5º período de Jornalismo na PUC-Rio, conquistou o segundo lugar do concurso Uma história na minha esquina, promovido pela revista piauí. Publicado no site e na edição de janeiro, o texto é resultado de trabalho desenvolvido na disciplina Jornalismo Político, ministrada pelo professor e jornalista Chico Otavio.

Carolina Bottino e a reportagem publicada. Crédito: Acervo pessoal
A competição teve a participação de 452 estudantes de Jornalismo de diferentes universidades do país. Os trabalhos submetidos deveriam ser escritos no estilo da seção Esquina. Presente desde a primeira edição, em outubro de 2006, o espaço é dedicado a textos curtos sobre personagens, lugares e situações diversas que passariam ao largo do noticiário tradicional. Além da publicação na revista impressa, Carolina ainda ganhou um prêmio de R$3 mil e um kit piauí/Companhia das Letras com livros e brindes.
Para Carolina, a premiação representa um reconhecimento inesperado e um marco em sua trajetória acadêmica.
– Sabia que a história era boa, mas não a ponto de ganhar o concurso. Fiquei muito feliz, significou muito para mim porque a piauí é uma revista prestigiada e que eu gosto muito. Quando recebi o e-mail do editor-executivo Daniel Bergamasco, fiquei surpresa – conta.
A pauta inicial de Carolina, no entanto, era outra. A proposta do professor para a turma de Jornalismo Político, no segundo semestre de 2024, era a criação de um site-reportagem com a temática “Exuberante e desigual: as diferentes formas de relação do carioca com o seu território”. A aluna, que sempre se interessou por política e buscava uma experiência próxima ao jornalismo investigativo, decidiu explorar a polêmica Torre H, na Barra da Tijuca, edifício com 120 metros de altura, projetado pelo arquiteto Oscar Niemeyer, cuja construção ficou paralisada por 40 anos.
– O foco da matéria seria nas pessoas que finalmente receberiam os apartamentos. Só que as fontes que busquei não queriam falar sobre isto. Diziam que tinha muita coisa envolvida. A empresa responsável queria que eu fizesse propaganda de que eles estão terminando o prédio. Eu não ia fazer isso, então desisti. Na época, fiquei bem chateada porque queria muito escrever sobre o caso – confessa.

O professor e jornalista Chico Otavio e Carolina Bottino. Crédito: Brenda Gusmão
Em busca de uma nova história, Carolina voltou a atenção para os arredores da Universidade, e encontrou no Minhocão da Gávea uma possibilidade interessante. Construído em 1952, o Conjunto Residencial Marquês de São Vicente é voltado para moradores de baixa renda e fica no coração da Zona Sul, em uma das áreas mais valorizadas da cidade. A estudante percebeu que poderia haver questões relacionadas ao aumento dos aluguéis e à permanência dos moradores no local. Ao aprofundar a pesquisa e conversar com moradores do Minhocão, ela enxergou na disputa pela quadra de tênis um caso emblemático e, até então, inédito.
De acordo com o professor Chico Otavio, a iniciativa e o olhar atento da aluna foram fundamentais para o sucesso do trabalho.
– Quando a gente resolveu realmente bater o martelo e desistir, ela desistiu, e eu concordei. Foi aí que ela trouxe esse episódio da quadra de tênis. A gente chegou à conclusão de que o tema é Exuberante e Desigual, não é? O Rio é lindo e desigual. São diferenças sociais, e a quadra está ali no limite, entre o Minhocão e o Condomínio Jardim Pernambuco. Nada podia ser mais representativo do que esta situação, uma disputa entre ricos e pobres – destaca.
Desde o início do curso, os estudantes são incentivados a encarar suas reportagens como mais do que um exercício acadêmico. A dinâmica de Jornalismo Político é similar a de uma redação de jornal. A partir do tema geral, os alunos propõem pautas mais específicas e utilizam o espaço da aula para desenvolvê-las. A teoria – com regras jornalísticas, dicas de apuração, técnicas de entrevistas e cuidados profissionais – é ensinada ao longo do percurso. Segundo o professor, a escolha do assunto foi motivada pela observação de uma série de fatos recentes que colocaram em evidência o envolvimento da população com a cidade.
– A relação dos cariocas com o território é uma questão difícil, por conta de áreas que não são consolidadas do ponto de vista legal. Um caso triste, por exemplo, é o da vereadora Marielle Franco. Ela foi vítima de grileiros que se sentiam incomodados por conta da atuação do PSOL, especialmente a dela, na questão fundiária. Eu pensei neste lado, mas também tem o lado legal, as boas experiências. A discussão sobre construção e reforma de grandes estádios, por exemplo, tem processos dinâmicos de ressignificação dos usos territoriais. Essas questões passam fortemente por discussões políticas e exigem um grande esforço de reportagem – explica.
Foi no seminário “A Revista piauí em três tempos”, realizado na PUC-Rio em novembro do ano passado, que Carolina decidiu inscrever a reportagem no concurso. Organizado pelo Departamento de Comunicação, o encontro lotou a sala K-102 e houve debates sobre o passado, o presente e futuro da publicação, além de painéis sobre checagem e dicas de como começar a escrever para a revista. O contato com os profissionais da piauí e os bastidores da produção foram o incentivo para a estudante.
– Já estava meio em cima da hora quando decidi enviar. Sabia que a seção Esquina era mais voltada para perfis, e queria tentar achar algum personagem. Só que, próximo à data limite, eu ainda não tinha encontrado ninguém. No último dia, dei uma editada no texto, porque era um estilo diferente do que eu havia mandado para Jornalismo Político, e resolvi enviar – recorda.
Após a divulgação do resultado, a matéria passou pelas etapas de edição, checagem e revisão até ser publicada. Todo o processo foi acompanhado pela estudante, que estabeleceu diálogo constante com a redação da piauí. Carolina conta que o último passo foi a escolha do título “Jogos de Poder na Gávea”, pensado como um trocadilho entre a disputa da quadra de tênis e as tensões políticas envolvidas:
– Algumas coisas de apuração eu tive que completar, voltei a falar com entrevistados para confirmar informações, tive que tentar de novo uma posição da prefeitura, que também não deu certo, eles não me responderam, nem responderam a piauí. Voltou algumas vezes porque eles editavam, me mandavam de novo, caso eu tivesse que acrescentar ou confirmar alguma coisa. O último passo foi escolher o título mesmo. Jogos de poder, jogos de tênis, a questão da disputa. Achei que faria sentido.
Chico Otavio acredita que cada trabalho pode ser um primeiro passo para a construção de um portfólio sólido e uma experiência relevante no jornalismo. Para ele, o diferencial está no engajamento dos alunos, na disposição para investigar e transformar boas pautas em histórias bem apuradas.
– Não adianta forçar se não tem o olho brilhando do aluno, a vontade de fazer essa informação emergir. Eu trabalho muito com essa coisa mais lúdica do jornalismo: Pô, essa história é boa para caramba, vamos dividir com o público. Mas para isso tem que ir lá, correr atrás, apurar bem, escrever bem, embrulhar bem para entregar. É bom que o aluno se empolgue e abrace a causa – enfatiza.