Brenda Gusmão 

Mano Penalva. Crédito: LabCOM Criação e Produção

Mano Penalva. Crédito: LabCOM Criação e Produção

Entre a casa e a rua, Mano Penalva constrói um mundo próprio com miçangas, palhinhas, papel crepom, objetos recolhidos no caminho – e memórias afetivas da infância baiana. Da avó que ensinava a fazer flores de papel às feiras do interior, dos programas de TV aos empalhadores no Rio de Janeiro, tudo vira matéria-prima e inspiração para uma arte que observa, escuta e desloca. No último mês, o artista plástico e ex-aluno de Comunicação lançou no Rio o livro “Mano Penalva”, publicação bilíngue que reúne uma extensa curadoria visual da sua trajetória artística, acompanhada por textos críticos e uma entrevista inédita. Em tom de celebração e reencontro, o lançamento também marcou o retorno de Mano à cidade onde viveu e se formou em Publicidade e Propaganda, em 2008. 

A obra apresenta dez anos de uma produção que combina arte contemporânea, antropologia e cultura material, em diferentes mídias, como pintura, fotografia, vídeo, escultura e instalação. O artista conta que a pesquisa para o livro, iniciada em 2021, foi um momento que o permitiu compreender as bases de sua formação. Nascido em Salvador, Mano cresceu cercado por estímulos que, mais tarde, se revelariam centrais em sua obra. Além das flores de papel crepom – que inspiraram a instalação “Crepom” –, o artista e a avó confeccionavam bandeirolas e balões de seda para as festas de São João. Ele também destaca a influência de programas de TV que ensinavam a fazer artesanato, como o “Note e Anote” exibido pela Record TV. 

Tive um aprendizado essencial de manualidades com a minha avó materna, durante a minha infância e adolescência, e com programas da TV brasileira. Na pesquisa para o livro, comecei a entender que esses quadros eram muito formativos. Foi ali que aprendi as primeiras ferramentas e a colocar as coisas de pé. De uma maneira muito simples, mas muito interessante, porque esses programas ensinavam a comprar o material, a produzir o artesanato e a vender, era quase uma educação 360º – lembra. 

Antes de mergulhar nas artes plásticas, Mano Penalva passou por outras vivências que ajudaram a moldar sua visão de mundo. Ainda jovem, o fascínio pelas diferentes culturas o levou a escolher o Rio de Janeiro e o curso de Ciências Sociais na PUC-Rio. Mas logo migrou para Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e Propaganda. Segundo Mano, a mudança foi motivada pelo entendimento de que a Comunicação seria um terreno mais fértil para explorar a criatividade. Paralelamente à graduação, ele frequentava cursos livres na Escola de Artes Visuais do Parque Lage,  essencial para direcionar o seu olhar artístico. 

– PUC é uma universidade onde corre um rio dentro, é abraçada pela natureza, por uma vegetação. Eu tenho uma alegria enorme em ser filho da PUC, em ter passado por ela, pelos cursos, pelas amizades que fiz – resume sobre a experiência no campus da Gávea.

Experiências profissionais com pesquisa de comportamento aprofundaram o interesse de Mano pela Comunicação. Durante a graduação em Ciências Sociais, ele começou a realizar trabalhos para a Box1824, agência de tendências em consumo e comportamento. Já em Publicidade e Propaganda, o artista destaca a disciplina Pesquisa de Mercado, à época ministrada pela professora Cláudia Pereira, como principal influência. Juntos, artista e professora, publicaram o artigo acadêmico “Nem todas querem ser Madonna: representações sociais da mulher carioca, de 50 anos ou mais”. 

Tinha algo na Comunicação que me interessava, algo mais ligado ao mercado. O curioso é que, na Publicidade, eu nunca fui para a criação de fato, para ser um diretor de arte, de agência, nada disso. Sempre estive mais interessado no planejamento, na pesquisa, e foi o que terminei fazendo por dez anos. A pesquisa, também, ajuda a treinar o olhar, perceber comportamentos, como as coisas estão sendo utilizadas – o que chamamos de cultura material – afirma.

O interesse por comportamento, consumo e cultura se traduziu em obras que ressignificam objetos cotidianos. Ao serem deslocados dos usos originais e organizados em composições delicadas, esses materiais revelam camadas simbólicas, afetivas e estéticas. Enquanto pesquisador, Mano viajou por diferentes capitais brasileiras e estabeleceu contato com diferentes realidades sociais. Residências artísticas no México e na Bélgica, e o período em que morou em Nova York fazem parte do roteiro do artista. O artista plástico foi indicado ao Prêmio Pipa 2023, uma referência no campo da arte contemporânea brasileira.

– O meu trabalho se dá nessa relação de passagem entre a casa e a rua. Na relação entre o público e o privado. Existem coisas que acontecem a partir das minhas andanças, caminhadas e deambulações pela rua. E também coisas que acontecem no olhar para os objetos íntimos, objetos da casa e como compõem realidades. Gosto muito de pensar nesse lugar de passagem, que é quase um momento em que a gente precisa mudar de energia para entrar e sair de casa. Aí existe um lugar mágico em que a gente percebe as coisas de forma diferente. É quase como perceber um novo lugar pelo nosso olhar de origem – declara. 

Foi em São Paulo, onde mora atualmente, que Mano consolidou o trabalho como artista visual e criou um espaço fundamental para sua produção e para a de outros artistas: o Massapê Projetos. Fundado em 2018, o local funciona como ateliê, galeria e plataforma de diálogo, com exposições frequentes e residências artísticas. O ateliê carrega no nome uma homenagem ao solo fértil da Zona da Mata nordestina — uma alusão direta às raízes de Mano e à potência existente nos saberes locais.