
Professor Chico Otavio orientou alunos de Jornalismo em coberturas especiais.
Sob orientação do professor e jornalista Chico Otavio, alunos de Jornalismo da PUC-Rio desenvolveram três sites que reúnem reportagens sobre temáticas centrais da agenda pública: as disputas pela memória da ditadura militar, a crise climática nas cidades e debates em torno da COP30. Os trabalhos foram realizados ao longo do primeiro semestre de 2025 nas disciplinas Jornalismo Político, Redação Jornalística e Laboratório de Jornalismo 1. Com uma proposta que alia teoria e prática, os estudantes vivenciaram as etapas da produção jornalística desde a escolha da pauta até a publicação de textos que dialogam com questões urgentes no Brasil e no mundo.
A dinâmica nas três disciplinas simula o funcionamento de uma redação. A partir de um tema geral, os alunos propõem pautas específicas e utilizam o espaço da aula para apuração e escrita. Chico Otavio acompanha de perto o processo, ensina regras jornalísticas e técnicas de entrevista, dá dicas de apuração, ajuda com fontes e ressalta os cuidados profissionais. Feliz com o resultado dos trabalhos, ele destacou a singularidade dos personagens e histórias contadas.
– A melhor forma de aplicar os conceitos do jornalismo é acompanhar cada etapa da produção de uma reportagem e mostrar o que se pode tirar de aprendizado de cada uma delas. Faço praticamente um trabalho individualizado, embora o resultado sempre seja coletivo. Cobro muito o retorno dos alunos em cada uma das etapas. É uma forma de fazê-los entender o que é de fato a notícia, e o que se pode extrair de informações para fazer a diferença. Os alunos conseguiram ouvir algumas das fontes mais importantes sobre cada tema, além de mostrar personagens e histórias singulares – afirma.
Jornalismo Político abordou memórias da ditadura
Em Jornalismo Político, a temática foi motivada pelas discussões sobre justiça de transição e políticas de memória da ditadura militar no Brasil. Com o sucesso do filme “Ainda Estou Aqui” (2024), que garantiu ao Brasil o Oscar de Melhor Filme Internacional e à atriz Fernanda Torres um Globo de Ouro, campanhas pela transformação de antigos locais de tortura oficiais e clandestinos em centros de memória ganharam as redes e receberam o apoio de figuras públicas. Além disso, processos que estavam parados há anos voltaram a tramitar, e diferentes entidades governamentais passaram a se debruçar sobre a questão. Segundo o professor, pesou também a necessidade de rememorar a violência do regime no momento em que o país julga os responsáveis pelos ataques golpistas de 8 de janeiro.
O resultado foi o site Memórias da Ditadura. Nele, os alunos abordaram a repressão da ditadura militar a partir dos espaços físicos marcados pela violação dos direitos humanos no estado do Rio de Janeiro. Em diferentes reportagens, foram investigados os entraves à criação dos memoriais em locais como a Casa da Morte, em Petrópolis, o antigo DOI-Codi/RJ, na Tijuca, e o antigo prédio do Dops, no Centro do Rio.
A presidente da Comissão de Mortos e Desaparecidos, procuradora Eugênia Gonzaga, foi entrevistada coletivamente pela turma. A conversa rendeu a manchete “Resistência à criação de centros de memória prejudica a luta contra a repetição de crimes da ditadura”. O arquiteto Felipe Nin, do Coletivo Memória, Verdade e Justiça RJ, e a professora de Direito da PUC-Rio Fernanda Pradal, também do coletivo, participaram de encontros com os alunos e contribuíram para a definição das pautas.
As marcas da ditadura em Volta Redonda foram evidenciadas no trabalho de Valentina Rocha (8º período) e João Victor Braga (6º período). A partir da relação entre a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a repressão estatal, a reportagem denuncia a ausência de espaços de memória sobre a atuação dos operários e a violência sofrida por trabalhadores durante o regime militar. Nascida em Volta Redonda, Valentina destaca que, mesmo com iniciativas importantes como a Comissão Municipal da Verdade, a história local ainda é restrita.
– Cresci em uma cidade que tem a Companhia Siderúrgica Nacional no centro de tudo. Ao mesmo tempo, sou parte de uma geração que não faz ideia da história da própria cidade, e reproduz um discurso não condizente com o histórico de luta dos operários e trabalhadores. Quando comecei a fazer a reportagem, entendi que fazia muito sentido a minha geração ser completamente desconectada com a história da cidade: não há espaços de memória – explica.
O trabalho de Ambre Rieugnié, estudante francesa em intercâmbio acadêmico na PUC-Rio, explorou as conexões entre memórias traumáticas no Brasil e na França. No 6º período de Ciências Sociais na Sciences Po Strasbourg, ela comparou a violência estatal cometida na ditadura militar brasileira e na Guerra da Argélia. Ambre também abordou como a extrema direita dos dois países lida com a memória dos períodos.
– Achei a disciplina Jornalismo Político muito interessante, não é algo que conseguiria cursar na minha universidade. Foi uma oportunidade também de estudar a ditadura militar brasileira, tema em que pretendo me aprofundar. Poder adaptar o tema principal ao meu contexto foi muito importante. Fiz entrevistas com historiadores franceses e com brasileiros também, o que foi um pouco difícil por ser numa língua que não domino muito bem. Mas gostei de fazer isto e de me esforçar – conta.
Meio Ambiente em foco
Com abordagens complementares, as turmas de Redação Jornalística e Laboratório de Jornalismo 1 tiveram a questão ambiental como eixo das produções. Enquanto a primeira se concentrou nas ações das cidades que integram a rede C40 – uma aliança internacional entre 97 prefeituras comprometidas com a redução de emissões de carbono –, a segunda se dedicou aos desafios e expectativas em torno da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), que será realizada em novembro, em Belém.
No site Rede Global de Cidades, produzido por alunos de Redação Jornalística, as reportagens apresentaram iniciativas sustentáveis em cidades brasileiras como Salvador e Rio de Janeiro, e em grandes centros urbanos ao redor do mundo, como Jacarta (Indonésia), Austin, Los Angeles e Nova Orleans (Estados Unidos), Bogotá (Colômbia) e Buenos Aires (Argentina). Os textos tratam desde políticas públicas de mobilidade e gestão de resíduos até soluções locais para a mitigação dos efeitos da crise climática.
O estudante Felipe Scofield (6º período) escolheu a metrópole chinesa Xangai, que figurou por anos na lista de cidades com o ar mais poluído do planeta. A apuração envolveu uma extensa pesquisa e entrevistas com especialistas em mudanças ambientais no meio urbano e saúde pública.
– A minha matéria foi sobre os índices de poluição do ar em Xangai, que já foi a cidade mais poluidora do mundo. Em 2011, ela atingiu níveis de risco à saúde absurdos. Hoje, eles têm uma política muito progressista em relação aos investimentos e medidas para diminuir a poluição. Ainda assim, a qualidade do ar ainda está muito abaixo do ideal. A ideia foi entender como a cidade tem enfrentado esse desafio e o quanto as tecnologias e as políticas públicas têm sido fundamentais neste processo – observa.
Histórias locais, nacionais e internacionais foram reunidas pela turma de Laboratório de Jornalismo 1 no site Jornada Eco. Os alunos entrevistaram a líder de Políticas do Clima e Energia da WWF International, ativista ambiental Fernanda Carvalho, para a manchete “A COP da contradição”, diz especialista em crise climática sobre a conferência do clima no coração da Amazônia. O texto contextualiza a COP30 em meio a tensões políticas, como o afrouxamento do licenciamento ambiental e o interesse na exploração de petróleo na Foz do Amazonas.
As reportagens vão do declínio ambiental de cartões-postais cariocas, a exemplo da Baía de Guanabara, até iniciativas que apontam caminhos sustentáveis, como o projeto de educação socioambiental para crianças da Escola de Desenvolvimento Infantil Borel, na Tijuca. Também tiveram destaque a crise hídrica no Vale do Jequitinhonha (MG) pela monocultura de eucalipto, as queimadas recorde em Maricá (RJ) e o cenário no Vale do Javari (AM) três anos após os assassinatos do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira. O especial ainda abordou a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris e as repercussões ambientais e políticas, os investimentos da China em tecnologias sustentáveis e os impactos hídricos da disseminação de ferramentas de Inteligência Artificial (IA).
O estudante Lucas Adeniran (8º período) investigou a degradação do mangue na Praia das Pedrinhas, em São Gonçalo (RJ). A reportagem destacou os efeitos da poluição no cotidiano de pescadores locais e colocou em contraste as obras de revitalização da orla para entretenimento e turismo. Segundo Lucas, a pauta foi uma chance de explorar uma área distante do seu interesse principal no jornalismo – a cultura. Mesmo fora da zona de conforto, ele disse que o trabalho permitiu perceber como as questões ambientais e culturais se interligam.
– Queria muito fazer um trabalho relacionado ao meu território. Sou de São Gonçalo, na região metropolitana, e, quando ouvi a proposta, lembrei imediatamente do mangue da Praia das Pedrinhas, um lugar abandonado. Sabia que tinha uma concentração de pescadores por lá e queria entender como estão conseguindo pescar e tirar o sustento daquela área. Foi uma experiência muito interessante e enriquecedora, porque pude me aprofundar em um contexto que já tinha uma certa vivência. Também a sensação de que talvez o meu trabalho possa influenciar para que a situação seja solucionada, para que o poder público tome alguma providência. Acho que é uma questão de denúncia mesmo – relata.