Silvio Tendler

O documentarista foi professor do Departamento de Comunicação Social por 40 anos. Crédito: Acervo DCOM.

Um dos principais documentaristas brasileiros, o cineasta Silvio Tendler era reconhecido como “o cineasta dos sonhos interrompidos”. Registrou em seus filmes a ascensão e queda de figuras fundamentais da vida política nacional, como os presidentes João Goulart, Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves. Paralelamente à atuação como documentarista, foi professor do Departamento de Comunicação Social da PUC-Rio, por 40 anos, de 1979 a 2019, e participou da fundação do curso de Cinema, em 2005.

 – Ensinar é viver. E viver é muito bom. Aprender a ter os prazeres da vida, saber que trabalhar em cinema não é apenas uma profissão, é um grande prazer, de você poder contar histórias, conhecer gente, viajar, conhecer lugares. O cinema me deu muito – declarou Tendler em 2012, quando o DCOM celebrou 60 anos de criação. 

 Homenageado na PUC-Rio em 2019 pelas mais de cinco décadas de carreira dedicada ao cinema documental, Tendler realizou mais de 80 obras para cinema e televisão. Em 2019, uma mostra do Departamento de Comunicação homenageou os 51 anos do primeiro documentário de Tendler, “Entrevista com João Cândido” (1968), sobre a Revolta da Chibata. Em quatro dias, o cineasta exibiu filmes inéditos e recém-finalizados, recebeu convidados e professores para debates.

– A alegria de viver, o humor de Silvio Tendler eram um antídoto contra a  casmurrice que acomete por vezes a vida acadêmica. Sua fina ironia desmontava sutilmente os clichês, as certezas do senso comum. Tive a sorte de ter sido sua colega durante quatro décadas, de acompanhar seu entusiasmo como professor, transmitindo a cada nova geração a paixão pelo cinema: paixão pela força das imagens como registro e instrumento de transformação da história – lembra a professora Vera Follain Figueiredo (PPGCOM/PUC-Rio).

 Sua trajetória cinematográfica sempre esteve atrelada à política. Em 1970 exilou-se no Chile, entusiasmado com a vitória do presidente Salvador Allende, e depois na França, onde deu continuidade aos estudos sobre cinema. Entre os principais projetos estão os longas “Os Anos JK” (1980), que começou a desenvolver quando retornou da França no fim da década de 1970, “Jango” (1984), sucesso nacional de bilheteria, e “Tancredo, a travessia” (2011). Também visitou o cinema e as ideias de Glauber Rocha em “Glauber o filme, labirinto do Brasil”, lançado em 2003.

 De volta ao Brasil, em 1981 fundou a Caliban Produções Cinematográficas, produtora e distribuidora de cinema e vídeo dedicada a filmes documentais históricos e sociais, como “Utopia e barbárie” (2010), e “O futuro é nosso!” (2023), seu último longa. Foi produzido durante a pandemia, com entrevistas feitas por videochamada com trabalhadores, cientistas políticos, economistas, jornalistas, dirigentes sindicais e o cineasta britânico Ken Loach, sobre a precarização do trabalho. Os filmes do cineasta estão disponíveis gratuitamente no canal de Youtube da produtora. 

 Reconhecido pela atuação em projetos de preservação da memória política e cultural do país, o cineasta recebeu, em 2013, a Medalha Chico Mendes de Resistência, concedida pelo Grupo Tortura Nunca Mais e pela Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Também foi homenageado com a Medalha Pedro Ernesto (1984), o Troféu Margarida (1999), o Prêmio Salvador Allende (2005), a Medalha Tiradentes (2008) e o Prêmio Parceiros da Paz e da Sustentabilidade (2012). 

 O legado de Tendler é crucial na construção da memória audiovisual brasileira e deixa ensinamentos para profissionais e estudantes de Comunicação. Professor da disciplina Direção Cinematográfica/Documentário, Emílio Domingos destaca a importância da obra do cineasta na história do país:

 – Silvio Tendler é uma figura inspiradora, um homem que viveu intensamente o seu tempo, o seu cinema, o documentário. Inspirou muita gente. Ele fez filmes que pensaram o Brasil e o mundo, e teve muita coragem. Imagina um homem que fez “Jango”, um filme que denunciava a ditadura militar ainda durante o regime. É um criador inquieto, um homem à frente do seu tempo e que vai ficar para sempre por sua obra.

 Ex-professor e egresso do DCOM, Bernardo Uzeda ressalta a importância do documentarista em sua trajetória:

– É triste, especialmente para nós, do audiovisual, mas também para todos os brasileiros que se importam com a memória do Brasil, do cinema e do jornalismo. O Silvio tinha essa grande capacidade de agregar vários universos nos seus filmes e ensinamentos. Sempre foi muito entusiasta e carinhoso comigo. Convivi muito com ele tanto na época de aluno quanto como professor. É uma grande honra ter sido seu contemporâneo e colega, e devo muito a ele.

Tendler foi um dos fundadores do curso de Cinema. Crédito: Acervo DCOM

Tendler foi um dos fundadores do curso de Cinema. Crédito: Acervo Núcleo de Memória.

Como professor, colecionou momentos e conexões com os alunos. O cineasta e jornalista Marcio de Andrade lembra dos comentários nas provas e do incentivo a produzir filmes e documentários:

– Além de mestre e professor, ele era um amigo. O que fica são as risadas, as conversas. Sua obra é vastíssima, e temos que lembrar desta figura inteligente que conseguia articular pensamentos, valorizar a história deste país. Ele vai fazer muita falta. É uma grande perda.

A jornalista Gisele Rodrigues, ex-aluna e amiga desde os anos 1990, também lamenta a morte do mestre:

– Silvio Tendler era especial. Nos reuníamos para falar da vida, do trabalho e dos amores. Abria janelas nos corações e mentes de quem o ouvia. Generoso, transformou em som e imagem as impressões mais sensíveis, profundas, utópicas e provocadoras que tinha sobre as histórias que contava. Pouco falava dos problemas de saúde. Escolheu a bravura de resistir para continuar fazendo arte, como se a realidade o convocasse: vai, Silvio, seja forte, você é necessário e urgente. E ele foi. Presente, disponível, comprometido, insistente, realizador. Sua obra é eterna, como as doces lembranças da sua presença intensa e inspiradora.

Leia também o artigo Jango e Cabra Marcado: uma noite pedagógica, da professora Andréa França (PPGCOM/PUC-Rio).